As aceleradas transformações sociais têm
feito a comunidade em geral questionar e dissertar sobre os rumos e o futuro de
suas vivências em todos os setores, a começar pela educação, sendo esta a base de tudo. Para
aprofundar esses impactos das mudanças e o desenvolvimento social, o professor
doutor em Educação Científica e
Tecnológica e reitor da UniAvan, André Gobbo, lançou em Santa Catarina o livro “A quarta
revolução industrial e seus impactos na civilização e na educação”. Disponível
em plataforma on-line, a publicação é voltada não somente para professores e
alunos, mas para a sociedade em geral.
Além de apresentar as consequências da
revolução, o livro traz um estudo sobre os comportamentos, a busca ou não pelo
igualitarismo, os preceitos éticos, entre outros. Em nossa conversa com o
autor, ele abordou detalhes dos temas da publicação, que transformaram os modelos sociais recentemente, como o
impacto das revoluções e das novas tecnologias para a comunidade, o
pós-pandemia, o futuro da educação 4.0, entre outros.
É sabido que
as revoluções, sejam elas causadas por movimentos sociais, desenvolvimento
econômico ou até mesmo uma pandemia, geram uma alteração social historicamente.
Como assegurar igualdade e direitos democráticos diante de proporcionais
transformações?
Temos que nos dar conta do poder desintegrador
que também há nas tecnologias. Infelizmente, o advento delas foi colocado no
altar mais sagrado da humanidade, como se fossem criadas pensando nos homens.
Ignoramos esse poder desintegrador que a acompanha e que desumaniza a
humanidade. Hoje, parece que estamos cegos diante das ‘magias’ prometidas pelas
novas e atuais perquirições. No entanto, é preciso compreendermos que, para
cada vantagem oferecida por uma nova tecnologia, sempre há uma desvantagem, o
que acaba por influir na nossa cultura e na própria humanidade. Além disso,
Postman já alertara no século passado sobre a questão das desigualdades que
advém com esse processo desenfreado de mudanças tecnológicas, uma vez que as
novas tecnologias nunca são distribuídas de forma idêntica ao redor do globo.
Ou seja, enquanto aqui disputamos os mais modernos smartphones, no Sudão do
Sul, 70% da população corre o risco de fome extrema.
Também destaco a questão das ideologias que se
escondem por trás destas tecnologias contemporâneas, dominadas pelos algoritmos
que hoje são hábeis em ditar o que podemos assistir, como devemos ser e nos
aproximar daqueles usuários que pensam e curtem as mesmas coisas que eu penso e
curto. Logo, é preciso que compreendamos que essas mudanças tecnológicas
assistidas nesta quarta revolução industrial são também ecológicas, ou seja,
interferem em todo o sistema e são capazes de mudar tudo. Suas consequências
são vastas e, por vezes, imprevisíveis e predominantemente irreversíveis.
Dito isso, não me oponho ao progresso das
tecnologias, mas acredito que se, verdadeiramente, somos cidadãos que anseiam
por uma sociedade mais justa e igualitária neste século 21, devemos vigiar as
variáveis que ditam e transformam tanto o nosso presente quanto o futuro, a
iniciar reconhecendo o ser humano (e não as tecnologias) como a principal
variável para que possamos chegar a uma sociedade ética, igualitária e
democrática, sendo que este se torna o melhor caminho para que tanto a ciência
quanto as tecnologias, dotadas de valores humanos, sejam postas como
instrumentos para o bem comum (gerando e distribuindo riquezas), para que,
desta forma, a humanidade seja capaz de vencer a ‘indigência humana’ que lhe
acomete e, com isso, possa viver em estado de felicidade.
A pandemia mudou um pouco a
visão das pessoas em relação às novas tecnologias. Acreditava-se que as
máquinas iriam tomar o lugar do ser humano em diversos setores, e agora se
percebe a importância da humanização, como podemos explicar isso?
Percebo que na civilização 4.0 há duas
culturas que estão em oposição: de um lado, percebemos as tecnologias como uma
amiga, que torna a vida mais fácil, limpa e longa; de outro, há um aspecto
nebuloso, posto que o crescimento descontrolado dessas tecnologias destrói as
fontes vitais da humanidade, criando uma cultura sem base moral. Neste
contexto, diferentes categorias profissionais serão parcial ou completamente
automatizadas. O emprego crescerá as ocupações e cargos criativos e cognitivos
de altos salários e em relação às ocupações manuais de baixos salários; mas
diminuirá consideravelmente no tocante aos trabalhos repetitivos e rotineiros.
Não podemos ignorar o fato de que, hoje, 10% dos mais ricos são donos da metade
da riqueza do mundo; ou seja, as 100 pessoas mais ricas do mundo possuem,
juntas, mais do que as 4 bilhões mais pobres. Logo, se continuarmos conformados
com essa disparidade, em breve, uma gigantesca massa de pessoas estará entregue
à boa vontade de uma elite que detém o poder da humanidade. Combater esse
provável colapso da humanidade e auxiliá-la a encontrar novos caminhos para que
sobreviva a tantas incertezas é papel fulcral da educação 4.0.
Ao mesmo tempo que a
tecnologia nos disponibilizou muito conhecimento, também nos deu acesso a muita
informação falsa. Como formar cidadãos mais conscientes diante desse cenário?
Penso que se quisermos dominar essa nova
revolução em curso, e não por ela sermos dominados, é impreterível vencermos a
desorientação que acomete os povos, fruto da rapidez e da multiplicidade das
mudanças provocadas pela poderosa ação do progresso científico e tecnológico,
pelas guerras mundiais, pelas revoluções proletárias, pela escolarização e
pelos meios de comunicação de massa que acabam por comprometer as esferas econômica,
cultural, pessoal e familiar. Contudo, para que possamos viver essa quarta
revolução industrial, em diferentes contextos – inclusive o escolar – de
maneira mais feliz, é preciso aplicarmos generosas doses de antídotos com
vistas a curarmos a síndrome maior que acomete a sociedade do terceiro milênio:
materialista por excelência e dominada pela pressa, centrada no poder, no
dinheiro e no consumo.
Com a pandemia, escolas,
educadores, pais e alunos passaram a adotar novos formatos de educação, entre
eles o modelo híbrido, o on-line se tornou ainda mais presente. Acredita que
essa mudança veio para transformar novamente os padrões educacionais, podendo
se tornar uma máxima daqui em diante?
Compreendo que o maior desafio para que
possamos construir um novo e mais apropriado modelo educacional para essa era é
exatamente saber ‘o que ensinar’, e não apenas discutir ‘maneiras de ensinar’.
O ‘o que ensinar’ está relacionado intrinsicamente à sociedade que queremos ter
daqui para frente. As reflexões sobre a educação 4.0 não podem nos colocar em
uma situação de conforto, como se o futuro que se avizinha, por um simples
toque na tecla dos computadores, nos garantirá uma educação de excelência,
capaz de formar seres humanos alfabetizados, competentes, críticos, reflexivos
e curiosos; mais humanizados e interessados em resolver os problemas que
afligem a coletividade.
Compreendo que, muito mais do que cedermos às
especulações do mercado financeiro e empresarial sobre o perfil mais apropriado
da mão de obra para os próximos anos, é pertinente nos questionarmos sobre
quais os conhecimentos e habilidades que nós, professores, queremos que os
nossos estudantes de hoje tenham num futuro próximo. Desta maneira é que
alcançaremos uma educação verdadeiramente emancipadora e em consonância com a
vida, de menos treinamento e mais discernimento, levando a humanidade a uma
nova consciência, mais erudita, coletiva e moral. Nesse cenário, ratifico a
ideia de que, na educação 4.0, tanto a inovação pedagógica quanto as
tecnologias devem ser focadas na humanidade e na necessidade de servir ao
interesse público, de modo que, conjuntamente a outros agentes sociais, sejamos
os garantidores de um futuro inclusivo, sustentável e promissor a todos,
afinal, acredito que o nosso futuro ainda é maior do que o nosso passado.
Qual o papel de professores e
centros de ensino para valorizar a importância de pesquisas para evolução da
ciência e tecnologia? Como fazer as pessoas confiarem nesse processo para a
construção de uma sociedade com mais atenção à civilidade?
Estamos diante do desafio de estimular as
mudanças necessárias de modo que possamos, quiçá no delta do amanhã que poderá
ser anunciado como sociedade 5.0, atenuar as tendências e resolver os problemas
sociais e globais que as ciências desde já nos indicam ser necessário resolver,
como é o caso dos dilemas ambientais e educacionais, comunidades empobrecidas,
desemprego, desigualdades de toda ordem, desastres ambientais, envelhecimento
populacional, limitado fornecimento de energia, uma nova pandemia etc. Logo,
essa nova fase é oportuna para que possamos refletir sobre como nossas práticas
de ensino-aprendizagem têm contribuído para a formação de indivíduos que tenham
discernimento e coragem para erigir uma sociedade social e ecologicamente sustentável,
por meio de um exercício crítico, reflexivo e intenso e de diálogo
intercultural e interdisciplinar. Neste sentido, entendo que os impactos desta
nova revolução industrial devem ser acompanhados de uma Revolução de Valores.
Urge o fato de orientarmos essa sociedade para as pessoas e não para as coisas.
A isso, é oportuno, enquanto educadores, caminharmos em direção à utopia de que
ainda somos responsáveis pela ascensão da humanidade.
Após quatro anos de estudos, a
que conclusões o senhor chegou sobre o futuro da educação que denomina de 4.0?
Chego à conclusão de que as tecnologias devem
ser percebidas como meio, e não como a solução única para que se alcance uma
educação de qualidade e adaptada às necessidades dos seres humanos do século
21. Para tanto, compreendo que elas devem ser percebidas como ferramentas
aliadas ao processo de ensino-aprendizagem, de modo que, com isso, tenhamos uma
formação tanto técnica quanto científica mais sólida, por meio da investigação,
reflexão e busca por soluções para os problemas que acometem essa era. Todavia,
muito mais do que incluir o ensino para o domínio das tecnologias digitais,
compete a todo o sistema educacional 4.0 resgatar o seu compromisso em incluir
no processo de ensino-aprendizagem formas para que os estudantes não apenas
conheçam a ciência, mas que saibam onde e quando aplicar tais conhecimento,
criem coisas novas a partir do que aprenderam (ou não) e, consequentemente,
saibam avaliar os conhecimentos aprendidos, apontando soluções aos problemas reais,
com base no que foi aprendido, com foco no bem-estar humano.
Para tanto, em meio às tantas magias
tecnológicas, não se pode renunciar ao pressuposto de que todo o processo de
ensino-aprendizagem de excelência perpassa pela construção de conceitos e comunicação.
Ou seja, os cidadãos só estarão aptos a pensar e desenvolver as diferentes
inteligências a partir do momento em que insistirmos sobre a importância da
leitura e da escrita, bem como da fala e da escuta atenta ao próximo. Tal
entendimento me conduz a defender ser substancial fazermos com que os
estudantes percebam o significado daquilo que aprendem e, para tanto, é
pertinente incluirmos doses de emoção, diversidade e interação social, por meio
da relação do que é ensinado com questões da vida real, sem negligenciar as
competências e habilidades necessárias aos profissionais desse novo século,
dentre as quais destaco a criatividade, a programação e as habilidades
computacionais; para que eles sejam aptos a decidir que novas ações tomar a
partir dos conhecimentos que foram capazes de assimilar e construir, e não
apenas pelas respostas prontas concedidas pelo educador.
O livro surgiu a partir de um
estudo realizado na UniAvan. Poderia comentar mais sobre as motivações do
estudo e a conquista em transformar os resultados em um livro?
Em 2022, completei 19 anos de trabalho docente
na UniAvan, e quando defini o tema do estudo, não poderia escolher um ambiente
diferente daqui, uma vez que essa poderia ser a oportunidade para analisar o
contexto atual e apontar novas rotas a serem empreendidas por todos nós, a fim
de continuarmos adequando o nosso processo de ensino-aprendizagem por meio de
uma consistente e permanente formação docente. Nesta medida é que as narrativas
docentes me serviram de aporte para que essas reflexões sobre a educação 4.0
fizessem sentido, afinal, nada melhor do que escutá-los e compreendê-los – seus
sonhos, visões de mundo, angústias, perspectivas e medos – para que, se
pudesse, minimamente, esclarecer conceitos, questionar ideias, estabelecer
relações e aflorar saberes e novas reflexões.
Conforme se pode verificar no livro, muitas
são as tendências atribuídas a essa nova fase da educação, apregoadas por
pesquisadores, inclusive em séculos anteriores e que, talvez, até agora não
foram assimiladas pelos agentes educacionais. Outras tantas práticas há tempo
são recorrentes no processo de ensino-aprendizagem. No entanto, há de se dizer
que a educação 4.0 não se trata de um novo método, mas de se resgatar a
concepção integral da educação, em que o desenvolvimento das inteligências
cognitiva (pensar), emocional (sentir), volitiva (agir) e decernere (decidir),
sejam percebidas como as bases que sustentam esse (não tão novo) modelo
educacional por mim apresentado.