O processo de reconhecimento de
cidadania italiana sofrerá mudanças a partir de 1° de julho de 2022. Uma
reforma no Código de Processo Civil foi aprovada pelo Parlamento italiano e
impactará os pedidos de reconhecimento de cidadania pela via judicial (contra
às filas e via materna).
Assim sendo, o tribunal competente
para julgar as ações de cidadania solicitadas pela via judicial diretamente na
Itália não será mais exclusivamente o tribunal de Roma, e sim o tribunal da
região do nascimento do antepassado italiano, o chamado Dante Causa do
processo. Por exemplo, caso o seu Dante Causa tenha nascido em Rovigo, o
tribunal competente será o Tribunal de Venezia.
Para quem já possui processo em
andamento ou dará entrada em 180 dias, nada muda, ou seja, continua sendo o
Tribunal de Roma o encarregado por julgar essas ações.
Com a alteração no trâmite aprovada,
vai se tornar mais difícil o reconhecimento da cidadania italiana ou mais
fácil? Vai demorar mais? A Itália será mais exigente com relação a documentação
necessária? Esta reforma trará também novidades para o procedimento de reconhecimento
administrativo do tão almejado direito à cidadania?
Segundo Rebeca Albuquerque,
especialista em compliance e em direito internacional e sócia-diretora do ALM
Advogadas Associadas, escritório com sede no Brasil, Portugal e Itália, que
auxilia estrangeiros na busca pela cidadania europeia, “a descentralização da
competência dos Tribunais pode trazer uma celeridade importante ao julgamento
dos processos, mas poderá fazer com que haja decisões de entendimentos variados
sobre uma mesma questão, o que já não acontecia no Tribunal de Roma”, destacou
a especialista.
A reforma é prevista pelo PNNR (Plano
Nacional de reinício e resiliência - “Piano Nazionale di Ripresa e Resilienza”)
no âmbito do Poder Judiciário italiano e tem como foco a eficiência do processo
civil. O objetivo principal da reforma, de acordo com o Ministério da Justiça
Italiana, é diminuir em 40% os tempos processuais, proporcionando, de tal modo,
a simplicidade, a concentração e a efetividade das tutelas, além da garantia de
uma duração razoável do processo.
A lei aprovada modificou dispositivos
especificamente relativos a procedimentos que tratam de direito de família,
execução obrigatória e constatação/avaliação do status de
cidadania.
Sabe-se que o brasileiro possui
basicamente três caminhos para o seu processo de cidadania italiana: a via
consular, a via administrativa na Itália e a via judicial junto ao Tribunal
italiano competente.
“A via judicial tem sido o caminho
mais procurado especialmente a partir de 2018 e depois da recente pandemia do
Covid-19, por ser uma via considerada célere em comparação com o tempo das
filas consulares e menos custosa do que a via administrativa por fixação de
residência na Itália”, informa Rebeca Albuquerque.
Além disso, a via judicial pode ser
coletiva, sendo, portanto, processos familiares em que os descendentes de um
mesmo Dante Causa compartilham a mesma pasta e são declarados italianos numa
mesma sentença.
As mudanças
na Lei
Quanto ao direito à cidadania
italiana iure sanguinis, o texto da reforma prevê a introdução de
medidas de racionalização no que diz respeito às controvérsias relativas à
constatação/avaliação do status de cidadania italiana.
Na prática, a principal alteração se
dá quanto aos critérios de definição do foro competente para o ajuizamento das
ações de reconhecimento de cidadania italiana iure sanguinis,
trazendo uma relevante descentralização dos processos.
Atualmente, o único foro competente é
o Tribunal de Roma e a sua vara especializada em matéria de imigração, proteção
internacional e livre circulação dos cidadãos da União Europeia. A ação de reconhecimento do status de cidadão italiano
com descendência iure sanguinis, sendo o(s) autor(es) da ação pessoas que não residem na Itália e sendo
o réu/requerido, o Ministério do Interior, representado pela Advocacia Geral da
União, um órgão da Administração pública italiana, os pedidos devem ser todos
impetrados junto a vara especializada em matéria de imigração, proteção
internacional e livre circulação dos cidadãos da União Europeia que hoje existe
somente no Tribunal de Roma, o qual é o Foro Financeiro competente.
Alteração no
trâmite vai “desafogar” Tribunal de Roma e agilizar processos
Nos últimos três anos, as ações de
reconhecimento de cidadania italiana iure sanguinis que foram
impetradas no Tribunal de Roma aumentaram significativamente e é notório que
sobrecarregaram tanto a parte administrativa dessa vara, quanto os próprios
juízes, prejudicando o julgamento célere desse tipo de pedido, conforme
determinação legal.
As Audiências, etapa obrigatória do
processo judicial, que por lei deveriam ser fixadas em breve tempo após o
ingresso do pedido, e que inicialmente eram fixadas em poucos meses, passaram a
demorar três anos para serem fixadas por parte de alguns juízes.
Este tempo também foi influenciado
pelo processo de transição de processos burocráticos físicos para o mundo
virtual, acelerados pela pandemia do Covid-19, chegando a impactar
procedimentos relativamente simples, como por exemplo, a emissão das certidões
em trânsito em julgado, que passaram a demorar 6 meses para serem emitidas.
“A novidade da Lei 206 é, portanto,
principalmente desafogar a situação de demora e de incerteza temporal no
julgamento e conclusão de uma ação que é puramente documental, garantindo assim
uma razoável duração do processo com a possibilidade de impetrar as ações de
reconhecimento da cidadania italiana diante de demais foros”, disse Karla Leal Macedo, advogada italiana, mestre em direito pela
Universidade de Bolonha e sócia-diretora do ALM Advogadas Associadas.
Escritório de
advocacia escolhido precisa estar preparado para as mudanças
O que isso afeta aos futuros
requerentes e aos pleiteadores da cidadania Italiana? O advogado escolhido
deverá ser extremamente organizado e ter uma equipe preparada, correspondendo a
diversas demandas em variados tribunais, o que tende a diminuir o prazo de
conclusão dos processos.
Os advogados tem 180 dias para se
ajustar às novas normativas. Com todas estas mudanças, é preciso ter um
escritório com competência, fluxo processual e que esteja preparado para este
novo capítulo da cidadania na Itália.
Se por um lado, acredita-se que abrir
a competência para outros foros ajudará o desafogamento da vara de Roma, e
provavelmente trará um aceleramento no julgamento das ações nos outros foros,
sendo fixadas as audiências dentro de um prazo mais célere do que o atual; por
outro lado, existe o desconhecimento se os novos juízes
aceitarão práticas de entendimento aplicadas atualmente nos processos de
cidadania já consolidadas entre os juízes do Foro Romano”.
O Foro Romano, tendo sido o único nos
últimos anos, havia criado um entendimento pacífico em alguns pontos da análise
(tais como: exigências documentais, necessidade ou não de retificações,
refutação da tese da grande naturalização, etc.), bem como de interpretação e
aceitação documental, e, com a entrada em vigor da reforma e de seus novos
critérios, “existe a incerteza se tais parâmetros serão também aceitos e
aplicados pelos novos juízes dos novos Foros” afirma Karla Leal Macedo.
Portanto, acredita-se em um maior rigor na avaliação da constatação da
cidadania italiana por parte dos Tribunais locais.
Como e onde
serão definidos os novos foros de competência?
O critério de definição da
competência será a cidade de origem do Dante Causa (ascendente italiano nascido
na Itália) do(s) autor(es) da ação. Portanto, o foro competente será o Tribunal
da cidade capital da região de origem (“capoluogo regionale”).
Ainda existem questionamentos
pragmáticos de como serão atuadas algumas modificações previstas, e com
certeza, muitos novos surgirão, mas acredita-se que tudo venha a melhorar e
transformar a efetivação de garantias e direitos.
A nova reforma do processo civil
italiano irá trazer novidades para a constatação da cidadania italiana,
impactando diretamente a atuação dos profissionais do setor.
Espontaneamente, surge o
questionamento se tal reforma trará novidades também no âmbito administrativo,
ou seja, se a definição da competência judicial passará a ser aplicada também
no âmbito do pedido de reconhecimento administrativo junto ao Comune. Mas
somente com a aplicação prática das novas decisões é que se poderá delinear
novos caminhos, e por agora este resta come um ponto para se ter em mente.
Segundo o ALM Advogadas Associadas, o
mais importante, portanto, é estar sempre em primeira linha se atualizando
diariamente com os novos aspectos e os novos entendimentos, e diante do estudo
específico de cada caso, escolher qual o melhor caminho para a obtenção e
reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis, pois
acredita-se que tudo venha a melhorar e a transformar a efetivação de garantias
e direitos.
E como fica a
tese da Grande Naturalização?
Já há alguns anos em que a Advocacia
Geral do Estado italiano tem invocado a tese da Grande Naturalização (GN)
contra processos de reconhecimento de cidadania italiana iure sanguinis cujo Dante
Causa estava no Brasil no período de vigência do Decreto presidencial
brasileiro da Grande Naturalização (entre os anos de 1889 e 1891) e cujos
filhos tenham nascido em solo brasileiro antes do ano de 1912, ano da primeira
lei ordinária italiana que tratou da dupla cidadania.
Os juízes do Tribunal de Roma, em
primeira instância, não acataram a tese da GN e em 2021 a maioria dos recursos
julgados em segunda instancia, pelas Corte D'Appello de Roma e
de L’Aquila, também não acataram a tese da GN.
Com a reforma que traz a
descentralização dos processos de cidadania italiana, não se sabe como serão os
entendimentos dos Tribunais locais a esse respeito. É uma lacuna cujo resultado
somente poderá ser reconhecido com o tempo. Mas acredita-se que em breve novidades
serão determinadas pelo posicionamento da Corte di Cassazione italiana.
Sobre o ALM
Advogadas Associadas
O ALM Advogadas Associadas é um
escritório com sede no Brasil, Portugal e Itália, que auxilia estrangeiros na
busca pela cidadania europeia. Comandada pelas advogadas no Brasil, na Itália e
em Portugal, Karla Leal Macedo, mestre em direito pela Universidade de Bolonha,
que se dedica principalmente aos processos no Tribunal de Roma, e Rebeca
Albuquerque, especialista em compliance e em direito internacional, o ALM
Advogadas Associadas nasceu para ser o elo entre história e o futuro, entre o
Brasil e a Europa, e para auxiliar no processo que envolve histórias,
documentos, pesquisa e aspectos jurídicos ligados ao processo de reconhecimento
da cidadania.